COMPRAR OU NÃO COMPRAR UM CARRO?


Uma crônica para os alunos da professora Jaciara

        Ainda não comprei um carro. Certamente teria um, caso já tivesse adquirido a famigerada casa própria. Estou certa de que teria um automóvel, caso não fossem outras prioridades do momento. Não sejamos hipócritas, né professora Jaciara! (Ela também teria um carro, caso não estivesse planejando uma viagem ao exterior). Também tenho que comprar livros à minha pequena Luíza, que não por acaso é uma boa leitora; e que não por acaso adora passar o verão na praia. Se comprássemos um carro hoje, as parcelas não permitiriam que fôssemos veranear à forra, tomando sorvete todo dia. Tampouco eu compraria tantos livros à pequena. Prioridades.
       Também considero difícil locomover-me de ônibus em Joinville. Mas nem sempre. Quando adiciono músicas novas no mp3 player do celular a viagem parece rápida. Ou quando compro uma revista com alguma reportagem interessante sobre um canto do mundo, eu viajo à beça. Mas quando o trânsito não flui como se espera, não tem jeito! Não há revista boa ou música nova que contenha a irritação. Sinto-me presa. Arrisco dizer que é pior do que quando o buzão está lotado. O que pensam vocês? Acho que vocês dirão “Pior mesmo é quando o buzão está lotado e o trânsito engarrafado”. Concordo.
       Eu teria um carro, mas tenho consciência de que já tem carro demais na cidade. Tem muito carro impedindo que o transporte coletivo chegue no tempo certo ao seu destino. Fiquei sabendo de um número catastrófico: foram vendidos 10.000 carros na cidade de Joinville no primeiro semestre de 2010. Ó céus! Acho que vou desistir definitivamente de comprar um carro. Ao menos no ônibus, quando consigo assento, distraio-me com alguma coisa; mas se eu estiver dirigindo não posso ser imprudente a ponto de ler ou falar ao celular. Mas é bom ter um carro algum dia, afinal por aqui quem não tem carro fica com fama de pobre e quem tem carro é visto pela sociedade como pessoa importante. Mesmo que os carros poluam e provoquem tanta confusão. Sociedade estranha essa, não acham?
       Falando em confusão, vou contar-lhes um caso. Era uma quarta-feira e eu estava no ônibus da linha Costa e Silva em frente ao hospital Dna Helena. Normalmente, fora dos horários caóticos, a linha Costa e Silva – terminal central é completada entre 12 e 15 minutos. Tudo no tempo certo até ali, quando percebemos o trânsito parado. As buzinas já começaram em frente ao hospital mesmo. Doentes em pseudo repouso! Começaram as caras feias dos motoristas dos carros para os motoristas dos ônibus. Parecem insinuar “Como ousa querer cortar a minha frente, seu cata jeca!”. E o motorista precisava ir para a pista da esquerda porque precisava virar na 09 de março. Até crianças sabem que ônibus obedecem a itinerários. Até que uma moça bonita a quem muitos chamariam de patricinha (as patricinhas têm coração, viu!), não sem fazer uma carinha estressada das 18h30, cedeu lugar à pobreza.
       Eba, chegamos na 09 de março! Mas alegria de pobre dura pouco, a gente sabe né! Dito popular certeiro porque a fila de carros e dinossauros amarelos preenchia a 09 de março inteirinha, até lá em frente ao terminal central. Duas tripas gigantes. De repente chegou à minha medula a irritação de todos. Odores, suspiros, grunhidos, comentários. Todos os passageiros indignados porque aquele primeiro quarteirão da 09 de março foi percorrido em infindáveis 15 minutos. Quanta ira apresentava uma certa mulher que não havia conseguido sentar-se. Ela estava segurando aquela barra de ferro em frente à porta com tanta força que parecia querer parti-la ou derretê-la porque estava toda vermelha de calor e fúria.
       Pois bem, o ônibus levou mais incríveis 15 minutos da esquina com a rua João Colin até o terminal central. Foi bem difícil manter a calma, principalmente por saber que caminhando do hospital Dna Helena até o terminal central nós não levaríamos mais do que 05 minutos. Mas o que se pode fazer, não é? Pois aquela pessoa enfurecida fez. Ao final da nossa peregrinação, quando o ônibus abriu as portas da esperança, ela nos deixou muito envergonhados. Ela colocou o pescoço sobre a catraca e teve coragem de gritar com o  motorista que deve ter ficado à beira de um ataque de nervos com toda aquela pressão imposta a um motorista de coletivo lotado em meio a uma selva de motoristas pouco gentis. Ela disse “Que que é isso motorista! O senhor levou 45 minutos para chegar até aqui! Tem outros que fazem em 15, se o senhor quer saber...”. Eu disse “Minha senhora, peça melhorias aos governantes dessa cidade. O motorista fez o que pôde”. Ela ainda respondeu “Eu não quero nem saber, eu tenho que brigar com alguém”. Sabem quando um ser humano fala uma bobagem tão grande que faz você sentir vergonha por pertencer à mesma espécie? Então pessoal, foi isso que eu senti.
       As questões relacionadas à mobilidade urbana são sérias por demais, apesar do tom descontraído da crônica. Problemas que trazem uma carga emocional muito pesada às pessoas que se estressam e discutem por serem levadas a extremos. Imaginemos São Paulo: quantas e quantas histórias relacionadas ao trânsito caótico acontecem todos os dias.
       Eu gostaria mesmo de ter um carro. Porém, observando todos os problemas de trânsito relacionados à “carrocracia” em que vivemos, fica evidente uma ausente visão cidadã andar de carro a qualquer horário no centro de Joinville. Um ônibus deve ter prioridade sempre, já que transporta dezenas de passageiros, enquanto a maioria dos carros rouba muito espaço com apenas o motorista em seu interior. Por enquanto, permaneço com fama de pobre promovendo outras prioridades em minha vida. Tem dia que é dureza pegar ônibus, mas o meu esclarecimento mostra que tenho bons motivos para não me afundar em prestações.

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7 comentários:

vgollnick disse...

Comprar um carro pra ficar parado?
Sem chance. Magrela na caveira!

Anônimo disse...

Qto custa ter e manter um carro:
http://ciclovencaourbana.blogspot.com/2010/07/voce-sabe-quanto-custa-ter-e.html

Razões p n pedalar:
http://ciclovencaourbana.blogspot.com/2010/09/as-melhores-razoes-para-nao-usar.html

Jaciara da Silva disse...

Seus alunos escrevem muito bem, pois eles têm uma grande fonte de inspiração - a professora escritora. Meus alunos também estão aprendendo com você!

Amei a crônica!

Unknown disse...

A educação esta cada dia em vantagem com alunos dedicados e a um conhecimento que depende deles, o ato de começar a criar com os próprios saberes e destrinchar a vasta forma de manuseio da educação que faz do aluno exemplo para o colégio, os alunos da sétima dois estão traçando o caminho dos sábios mostrando o que se deve ser traçado, eu Professor de Ciências desejo que esta visão não pare em um projeto, pois a Aline que é sua professora esta sempre mostrando o a fonte de luz do saber para todos que a conhecem...

Juliano Carvalho Bueno disse...

Que bom ler um texto assim mostrando a realidade do transporte público em Joinville por quem de fato o utiliza no dia-a-dia.Infelizmente tempo é dinheiro,por isso a fuga para os carros populares e motos.Sou um defensor do transporte coletivo aqui na cidade.Mas do jeito que as coisas vão a tendência é aumentar ainda mais o número de automóveis para transporte individual aqui no feudo.

KuritBike disse...

Nossa que texto e que ponto de vista, parabéns!!!

Eu adotei a bike e não me arrependo, tava juntando grana pra comprar um carro (bem baratinho à vista) e por um "desígnio divino" mudei totalmente de idéia e comprei uma bike, semana que vem vai fazer um ano que estou com ela e tenho orgulho de dizer que vou fechar esses 12 meses com mais de 5.000 km pedalados!!!

Stress no trânsito, só na hora de dar lição de moral em motorista folgado, fora isso, faça chuva ou faça sol, seja 9:00 da manhã ou 18:30, levo os mesmos 15 minutos pra percorrer os 5 kilômetros que separam minha casa do centro.

Feliz, com a barriga vários centímetros menor, as coxas vários centímetros maiores, e uma grande economia nesses 12 meses, sigo assoviando, cantando, sentindo o cheiro das flores, escolhendo as ruas mais arborizadas, ouvindo os passarinhos, tudo isso enquanto motorista gasta grana e acumula gordura e não enxerga nada além do seu umbigo/painel.

lv disse...

Moro em São José dos Campos/SP e penso da mesma forma: pra que carro? Pra poluir mais? Contudo enfrentamos transporte público lotado e restrito em alguns pontos da cidade (que atravessa rios e a Dutra), anél viário sem ciclovia, o mesmo preconceito sobre quem anda de ônibus (é "mal sucedido"), alta incidencia de furtos a pedestres em alguns bairros, enfim...a idéia é boa mas nosso país ainda tem que evoluir muito para que o carro não se torne uma necessidade.
Abraços
lucianavoos@blogspot.com

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